Todas as religiões do mundo tentam explicar os grandes mistérios da humanidade: De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos? Reza uma história africana, originária de Ketu, que no início de tudo havia o Orum, o espaço infinito, e lá vivia o deus supremo Olorum. Certo dia, Olorum criou uma imensa massa de água, de onde nasceu o primeiro orixá: Oxalá, o único capaz de dar vida. Olorum mandou Oxalá partir e criar o aiyê, o mundo. Só que Oxalá não fez as oferendas necessárias para a viagem e enfrentou sérios problemas no caminho.
Quem acabou criando o mundo foi Odudua, sua porção feminina. Para consolar Oxalá, o deus supremo lhe deu outra missão: a de inventar os seres que habitariam o aiyê. Assim Oxalá usou a água branca e a lama marrom para criar peixes azuis, árvores verdes e homens de todas as cores. Foram justamente os homens que, mais tarde, imaginaram formas de adorar e representar a saga de deuses como Oxalá, Odudua, Olorum e tantos outros.
O sopro sagrado de Olorum
Quando Olorum, o senhor do infinito, fez o universo com o seu hálito sagrado, criou junto um punhado de seres imateriais com a finalidade de povoá-lo. Estes seres, os orixás, foram dotados de poderes fantásticos, como o domínio sobre o fogo, a água, a terra, o ar, os animais e as plantas e também o masculino e o feminino.
No princípio, eram muitas as divindades africanas, tantas que a comparamos às cores da exuberante África. Ainda hoje, os adeptos das religiões afro-brasileiras continuam adorando um pequeno grupo destas divindades, que representam todos os elementos essenciais à natureza e à vida humana.
Os povos africanos produziram uma infinidade de mitos sobre a criação do mundo e as forças espirituais. Isso porque a necessidade de explicar o mundo em que vivemos é praticamente tão antiga quanto a própria humanidade.
Ossaim, o malabarista das folhas
Certo dia, Ifá, o senhor das adivinhações veio ao mundo e foi morar em um campo muito verde. Ele pretendia limpar o terreno e, para isso, adquiriu um escravo. O que Ifá não esperava era que o servo se recusasse a arrancar as ervas, por saber o poder de cura de cada uma delas. Muito impressionado com o conhecimento do escravo, Ifá leu nos búzios que o criado era, na verdade, Ossaim, a divindade das plantas medicinais. Ifá e Ossaim passaram a trabalhar juntos. Ossaim ensinava a Ifá como preparar banhos de folhas e remédios para curar doenças e trazer sorte, sucesso e felicidade.
Os outros orixás ficaram muito enciumados com os poderes da dupla e almejaram, no seu íntimo, possuir as folhas da magia. Um plano maquiavélico foi pensado: Iansã, a divindade dos ventos, agitou a saia, provocando um tremendo vendaval. Ossaim, por sua vez, perdeu o equilíbrio e deixou cair a cabaça onde guardava suas ervas mágicas. O vento espalhou a coleção de folhas.
Oxalá, o pai de todos os orixás, agarrou as folhas brancas como algodão. Já Ogum, o deus da guerra, pegou no ar uma folha em forma de espada. Xangô e Iansã se apoderaram das vermelhas: a folha-de-fogo e a dormideira-vermelha. Oxum preferiu as folhas perfumadas e Iemanjá escolheu o olho de santa-luzia. Mas Ossaim conseguiu pegar o igbó, a planta que guarda o segredo de todas as outras e de suas misturas curativas. Portanto, o mistério e o poder das plantas continuam preservados para sempre.
No tabuleiro de Iansã
Orixá das cores vermelha e branca, Iansã é a regente do vento e dos temporais. Segundo uma antiga história da África, Xangô, marido de Iansã, certa vez a enviou para uma aventura especial na terra dos baribas. A missão era buscar um preparado que lhe daria o poder de cuspir fogo. Só que a guerreira, ousada como ela só, ao invés de obedecer ao marido, bebeu a alquimia mágica, adquirindo para si a capacidade de soltar labaredas de fogo pela boca.
Mais tarde, os africanos inventaram cerimônias que saudavam divindades como Iansã através do fogo. E, para isso, usavam o àkàrà, um algodão embebido em azeite de dendê, num ritual que lembra muito o preparo de um alimento bastante conhecido até os dias que correm: o acarajé. Na verdade, o acarajé que abastece o tabuleiro das baianas é o alimento sagrado de Iansã, também conhecida como Oyá.
O quitute tornou-se símbolo da culinária da Bahia e patrimônio cultural brasileiro. E, assim como ele, diversos elementos da tradição africana fazem parte do nosso cotidiano. Em sons, movimentos e cores, a arte encontrou na religião de origem africana seu sentido, sua essência, sua identidade.
A porção humana dos orixás
Obá, a orixá guerreira, disputava o amor de Xangô com Iansã e Oxum. Obá sentia o corpo arder de ciúme ao ver seu amado tratar Oxum com gestos de atenção e carinho e passou a imaginar que sua rival colocava algum tempero especial na comida para enfeitiçar Xangô.
Certo dia, Obá foi à cozinha disposta a descobrir o segredo de Oxum. Percebendo o ciúme de Obá, Oxum resolveu pregar uma peça na guerreira e mentiu. Disse que seu ingrediente era, na verdade, um pedaço de sua orelha. Obá então pôs uma tasca da própria orelha na comida e serviu para Xangô, que rejeitou o prato. Foi quando Obá se deu conta que caíra em uma armadilha e desde este dia, cobre as orelhas quando dança na presença de Oxum.
Os sentimentos humanos sempre estiveram presentes na mitologia dos orixás e na tradição oral africana. Sentimentos que mais tarde viriam contar outras histórias, que compõem uma literatura tipicamente feita por negros no Brasil.
A espada justa de Ogum
Ogum é um orixá benfeitor, capaz de salvar muitas vidas, mas também destruidor de reinos. Há quem diga que um belo dia Ogum chegou em uma aldeia onde ninguém falava com ele. Sempre que se dirigia a um habitante do lugar, só recebia um grande vazio como resposta.
Pensando que todos estavam zombando dele, Ogum ficou furioso e destruiu cada pedacinho da aldeia. Logo em seguida, descobriu que aqueles moradores permaneceram calados porque faziam voto de silêncio e se arrependeu amargamente por haver empregado as suas forças numa ação bélica.
Desde então, o deus da guerra jurou ser mais cauteloso e proteger os mais fracos, sobretudo aqueles que estiverem sofrendo algum tipo de perseguição arbitrária. Tanto no orum, o universo, como no aiyê, a terra, a luta dos negros contra as injustiças é encarada por corajosos guerreiros espirituais e de carne e osso.
Omolu dança só
Há muitos e muitos anos, um episódio interessante percorre a África inteira. É sobre uma grande festa, que reunia uma lista de ilustres convidados - Oxum, Iemanjá, Oxalá, Xangô, Oxossi, Ossaim, Obá, Logunedé, Iansã, Nanã, Ogum e Oxumaré. Todos os orixás estavam lá. Na verdade, quase todos, porque faltava o Omolu.
Omolu ficou do lado de fora com vergonha das marcas que a varíola lhe deixara no rosto. Ao saber disso, Ogum correu até a floresta e teceu uma roupa de palha, o ofilá, para que o irmão participasse da festa. Omolu entrou, mas ninguém quis dançar com ele. Mesmo cobertas, suas feridas causavam repulsa nos orixás. A corajosa Iansã foi a única que o chamou para uma dança. E como Iansã é a orixá dos ventos, sem querer, mandou a roupa de Omolu pelos ares!
Qual não foi a surpresa quando, livre do ofilá, surgiu um homem lindo, sem defeito algum. Ao ver a beleza de Omolu, os orixás femininos suspiraram e os masculinos se morderam de inveja. Omolu ofereceu à Iansã uma recompensa, mas, a partir daquele dia, passou a dançar sempre sozinho nas festividades
Fonte: Blog do Guterberg